terça-feira, 29 de maio de 2007

Política se descola da realidade, diz Campos



Governador de Pernambuco e presidente do PSB vê "esquizofrenia" no meio político. "Eleição agora só interessa a políticos e jornalistas de política", diz.

Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

A política se "descola" da realidade e não entende o "Brasil real" quando políticos se dedicam mais à preparação da eleição seguinte que à administração dos problemas do cotidiano dos cidadãos, afirmou ao G1 o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

"A eleição [de 2010] agora só interessa a políticos, jornalistas de política e mais ninguém", disse Campos, que, por esse motivo, aponta "uma certa esquizofrenia" no meio político. Um dos principais governadores aliados de Lula, Eduardo Campos não quer nem falar sobre a tese enunciada pelo presidente de que o candidato do governo a presidente em 2010 terá de sair dos partidos da base aliada e não necessariamente do PT.

"A tese que Lula defende não poderia ser outra hoje. Eu acho só que é precipitado falar de eleição 2010. Eu mesmo não estou falando nada de 2008", declarou.

Para Campos, a população brasileira “não suporta mais” casos de corrupção envolvendo políticos. Ele defendeu a apuração dos fatos que culminaram com a prisão de um correligionário (já libertado), o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares (PSB), durante a Operação Navalha, da Polícia Federal.




Administração

G1 - Com quatro meses de administração o sr. enfrentou problemas graves, como o fechamento de escolas e questões de saúde pública.

Eduardo Campos – Temos uma máquina pública que foi efetivamente muito agredida. Um quadro bastante desafiador, de falta de carreira, de capacitação, de estruturação dos serviços públicos essenciais como educação, saúde, segurança, e temos procurado reestruturar esses serviços. Na educação, tivemos o pior resultado do Saeb [na realidade, foi o pior resultado do Ideb], mas já formulamos políticas de melhoria da qualidade da escola pública.

G1 – Há um mês o sr. decidiu interditar mais de 70 escolas, o que deixou 68 mil alunos sem aula. Não havia outra decisão a ser tomada?

Campos – Nós conseguimos com as escolas particulares, escolas municipais, igrejas e clubes sociais espaço para garantir aula para os meninos. Fizemos um mutirão. Eram 68 mil crianças, praticamente uma cidade grande. Ficamos sabendo na transição que tinha caído um telhado de uma escola, e mais adiante veio dos alunos em audiência com o secretário uma denúncia sobre a situação da rede física. Disse que íamos ter de fazer um levantamento dos locais onde a situação estava pior. O resultado é que mandaram na quinta o documento para o secretário, ele viu na sexta e no sábado eu disse: ‘segunda-feira não tem mais aula não’. A gente admitiu que no máximo se gastasse 30 dias, que era o tempo que poderíamos repor em julho. Era uma decisão que tinha de ser tomada.

G1 - E há prazo para as escolas serem reabertas?

Campos - Umas com 30, outras com 60 e outras com no máximo 90 dias. Estamos fazendo reforma num período que não tinha que fazer, de chuvas. Mas o importante é que houve solidariedade muito grande. Isso é mais um símbolo de como estavam nossas escolas. Se deixam telhado literalmente cair é um símbolo do valor da educação.

G1 – O sr. ampliou o número de secretarias de 17 para 28, conforme reportagem recente do G1. Houve necessidade? Isso não ampliou os gastos do governo?

Eduardo Campos – Veja bem, não ampliamos nem um cargo de confiança, nem um real na nossa folha de cargos. Pelo contrário, nossa folha hoje é menor. O que a gente fez? Existiam as secretarias que tinham embaixo três, quatro secretários, como se fosse um cabide. Reaproveitamos os cargos existentes e recompusemos a presença do estado. Como um estado presente na cena cultural como Pernambuco não tinha uma Secretaria de Cultura? Mas tinha quatro subsecretarias em Infra-estrutura, para ter camarada de um partido, outro de outro, outro de outro. Conseguimos recompor o olhar do serviço público sem nenhum cargo a mais.

Nordeste G1- O sr. participou há pouco tempo de reunião entre governadores do Nordeste brasileiros e do Noroeste da Argentina. Como estão os trabalhos de integração com os outros governadores?

Eduardo Campos - Essa safra, essa geração de governadores, principalmente os do Nordeste, respondem a uma clara mudança na compreensão da política brasileira. Até pouco tempo, o Nordeste passou duas décadas tendo como política de desenvolvimento guerra fiscal, uma coisa completamente equivocada, absurda, não era o pensar estratégico de como reduzir as desigualdades. Essa geração tem buscado integrar, pensando em como a gente vai enfrentar o futuro, em como desenvolver o turismo na região, sendo o Nordeste uma importante região no turismo mundial. A gente está, na prática, resgatando a Sudene nos seus bons tempos, discutindo as saídas estratégicas.

Transposição do São Francisco
G1 – O sr. é integralmente favorável ao projeto de transposição do São Francisco?
Eduardo Campos – Eu vivo e sou governador do estado que hoje tem o pior balanço hídrico do Nordeste. Tem áreas muito críticas, como agreste de Pernambuco e o sertão que não está na margem do rio. Então, em tese, só posso ser favorável a que se leve água. Agora, como a gente leva essa água, de maneira a que se equilibre questão ambiental, custos, é outra discussão. Eu tenho que ver duas questões: se não houvesse esse debate sobre o São Francisco, você não estava nem vendo iniciativas de recomposição da situação do rio. É uma chance de chamar a atenção, esse debate valoriza a revitalização do rio. Segundo, é inevitável que, daqui para o futuro, se fale em interligar as bacias.

G1 – Defende alguma mudança?
Eduardo Campos - Por tudo o que a gente sabe, eu acho que a transposição com interligação de bacias do São Francisco precisa vir com trabalho de abastecimento de água de comunidades. Porque a impressão que a população tem é que com a transposição a água vai chegar na torneira das casas. É preciso ficar claro que a transposição resolve fornecimento de água para conjunto de cidades importantes do Nordeste, mas não necessariamente para aquele cidadão que está num pequeno povoado, num sítio. Essas coisas precisam de olhar complementar.

G1 - E o que efetivamente o estado está fazendo na questão dos recursos hídricos?
Eduardo Campos - Independentemente do ritmo da transposição, estamos hoje com todos os sistemas de abastecimento de água em Pernambuco em rodízio, em racionamento. Estamos garantindo que, no final deste ano, vamos botar uma placa em três cidades: "Aqui tem sustentabilidade de abastecimento da água". Para acabar com o famigerado carro-pipa. O comando da água é um instrumento de poder no Nordeste. Precisamos libertar o povo no século 21 desse instrumento de dominação de alguns políticos. O camarada comanda o voto para dar em troca uma lata de água.

PAC
G1 - O sr. está satisfeito com os recursos do PAC para o estado?

Eduardo Campos – Só o valor da refinaria já é expressivo. Dos R$ 80 bilhões para o Nordeste, R$ 20 bilhões estão em Pernambuco. Claro que a gente gostaria de ter mais alguma coisa. Mas de fato é muito expressivo. Nós criamos uma comissão estadual para acompanhar e facilitar questões de contrapartidas, garantir licenciamento ambiental. Vamos tratar do licenciamento da refinaria e ter uma coordenação para conversar com as autoridades de Brasília.

Sucessão

G1 – O presidente Lula disse que o candidato à sucessão em 2010 vai sair da base aliada. Esse nome poderia ser do PSB?

Eduardo Campos - A tese que Lula defende não poderia ser outra hoje. Eu acho só que é precipitado falar de eleição 2010, eu mesmo não estou falando nada de 2008. A eleição agora só interessa políticos e jornalistas de política e mais ninguém. Na rua, o cidadão está preocupado com o seguro-saúde, com o colégio do menino, o IPVA do carro, o emprego, com a segurança que ameaça seu bairro. Muitas vezes há certa esquizofrenia na política. Ela descola da realidade que deve estar representando. Estou mais preocupado no trabalho do dia a dia. Ficam sempre falando em eleição, parece que a eleição é permanente. Daqui para 2010 tem muitas coisas para acontecer. Tratar de eleição agora é não entender o que está acontecendo no Brasil real.

PSB

G1 – O PSB ficou satisfeito com os dois ministérios recebidos? Ter perdido a Integração Nacional e obtido a Secretaria dos Portos estava dentro do que se esperava?

Eduardo Campos – O partido ficará satisfeito se o governo der certo. Temos dois companheiros comprometidos com o serviço público. Nosso apoio ao governo Lula não passa por cargos. [Nós] o apoiamos quando não tinha cargo nenhum. Temos dois companheiros que trabalham com nosso presidente e têm a confiança dele e a nossa confiança. G1 – Recentemente, o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, disse que Lula deveria indicar logo os nomes do segundo escalão para que não se comece a dizer que os deputados estão trocando votações por cargos. O sr. acha que as indicações estão demorando? O PSB quer algum cargo? Eduardo Campos – Sinceramente não sei como as coisas estão. Quando vem de reeleição, essas funções estão ocupadas. Se fosse um governo novo e em cinco meses não tivesse recomposto a equipe, mas é um segundo governo. Não tem isso. Talvez a pressa dos que queiram indicar não seja a mesma dos que indicam. Mas é natural que as pessoas queiram que seus indicados sejam admitidos, eu sinceramente não tenho notícia de como está isso.


Corrupção

G1 – A Operação Navalha envolveu diversos partidos e inclusive um correligionário do sr. Qual sua avaliação do envolvimento de José Reinaldo Tavares [ex-governador do Maranhão filiado ao PSB]?

Eduardo Campos – O governador José Reinaldo Tavares se filiou no ano passado dentro do esforço da oposição local de encontrar caminho para vencer eleições contra Edson Vidigal. Logo que tomei conhecimento da questão, sem nenhum tipo de prejulgamento, porque acho que todos têm amplo direito de defesa, determinei que a Comissão de Ética do partido instalasse processo e pegasse informações. O que sei é o que saiu na mídia. O que acho é: fez errado tem de pagar. O Brasil não suporta mais essas coisas.

G1 – E o que poderia ajudar a combater casos como este? A reforma política?
Eduardo Campos - Acho que é preciso discutir na reforma política a natureza do financiamento das campanhas. Essas coisas não se resolvem por decreto, é um processo cultural. Hoje, já se deu passos, mas é preciso dar novos passos. Mesmo as democracias mais avançadas do mundo não estão imunes. O importante é ter mecanismos de punição. Reforma política pode ajudar. Não resolve, mas ajuda a ir resolvendo. A geração que está na escola precisa compreender, respeitar as regras, valorizar o mérito. No serviço público, selecionar por comitê de busca [grupo de técnicos que seleciona pessoas no serviço público de acordo com o currículo] e não por pela indicação. Já muda.
Futuro
G1 - O sr. pensa em reeleição?
Eduardo Campos - Do ponto de vista de planejamento, penso além de 2010. Mas estou mais preocupado em terminar 2007 com metas cumpridas. Além disso, essas coisas a gente não decide só, vai passar por todo um conjunto de avaliação. Não tenho nenhum pingo de ansiedade. Minha energia está focada em fazer as coisas acontecerem em 2007.